“Duzentos
mil soldados americanos em solo indefinidamente, para proteger e apoiar um
número igual de médicos e professores do ensino básico.”
“Isso
não vai acontecer. O que mais faria diferença?”
“Reiniciar.
Varrer Raqqah do mapa.”
O diálogo se passa no primeiro episódio da quinta temporada de Homeland. Um soldado de um grupo das forças especiais americanas atuando na guerra civil síria explica a um burocrata o que os governos teimam em ignorar: a única forma de resolver um conflito assimétrico sem recorrer ao genocídio é preenchendo o vácuo de poder na região em questão.
Conflito assimétrico, ou guerra de quarta geração (4GW),
é uma modalidade de combate caracterizada pelo desequilíbrio dos meios
militares entre as partes em contenda. É travado entre exércitos estatais e facções
paramilitares. Apesar de provavelmente ser o mais antigo meio de guerra da
história, ganhou impulso durante a Guerra Fria, quando os EUA e a URSS, de modo
a evitar um possível embate nuclear, equipavam e apoiavam grupos insurgentes para
combater, “por procuração”, os exércitos da superpotência rival. Os exemplos
mais famosos são a guerra civil vietnamita e a resistência afegã à invasão
soviética.
Devido a seu caráter não convencional, é o meio
disponível a quem se propõe a desafiar a autoridade do Estado. A carnificina
das duas grandes guerras, a possibilidade de uma hecatombe nuclear e a grande
influência da opinião pública nas sociedades ocidentais criaram um cenário em
que os governos passaram a evitar o máximo possível uma confrontação militar
direta. Por isso a 4GW é frequentemente chamada de modalidade de “guerra do
futuro”. É o modus operandi dos
rebeldes e guerrilheiros. E do crime organizado nas favelas.
Essa é a natureza do problema de segurança pública pelo
qual passa o Rio de Janeiro. Mesmo que criminalidade urbana fora de controle
não seja exclusividade desse estado (é apenas o 15º em homicídios por armas de
fogo, de acordo com o Mapa da Violência de 2016), é lá que o crescimento
desordenado das favelas criou zonas liberadas onde floresceram estados
paralelos sob o controle dos senhores da guerra locais, sejam narcotraficantes,
sejam milicianos.
A topografia irregular da favela e a natureza errática do
inimigo tornam pouco efetivo o emprego de forças treinadas para o combate
convencional (como o contingente regular do exército) na linha de frente do
conflito. É nesse contexto que se fazem necessárias as forças especiais, cujo
treinamento se foca em táticas de guerra assimétrica. Especializadas em
insurgência, guerrilha e terrorismo, essas unidades são responsáveis pelo
ataque direto ao inimigo em operações cirúrgicas como as operações de busca e
destruição do exército americano no Vietnã. Para esse fim o estado brasileiro
dispõe do Esquadrão Fantasma, subordinado ao Comando de Operações Especiais do
Exército Brasileiro e dos BOPE’s,
grupos de elite sob o comando das polícias militares estaduais.
A
divisão das favelas maiores em setores facilitaria a ação dos grupos especiais,
que poderiam se concentrar em um inimigo por vez. Eliminados os elementos
hostis de determinada subdivisão, seriam, então, empregadas as forças regulares
para atuar na retaguarda, se concentrando na ocupação do espaço, preenchendo o
vácuo de poder. Os batalhões de engenharia do exército procederiam em seguida
com as necessárias reformas urbanísticas, alargando ruas e espaçando
residências com o objetivo de diminuir as possibilidades de infiltração e
homizio da bandidagem em meio à população local. Com o setor devidamente
pacificado e controlado pelo exército, entrariam em ação os médicos,
professores e assistentes sociais.
É aí que se encontra o ponto fulcral da estratégia do
estado para vencer a criminalidade organizada. O apoio da população é a
diferença entre vitória e derrota num combate irregular. Mesmo as forças de
repressão e manutenção da lei e da ordem cumprindo com perfeição suas funções,
todo o esforço se perde se houver hostilidade dos residentes locais a elas. Daí
a importância do estado impor sua narrativa dos fatos, fazendo a opinião
pública enxergar que os vilões são os traficantes e milicianos e não os
soldados e policiais.
Haverá, óbvio, quem pregue o contrário. Há setores da extrema
esquerda, abundantes em ONG’s de “direitos humanos”, universidades e redações,
firmemente comprometidos com o fim da Civilização Ocidental e que vêem no
bandido um revolucionário em estado bruto. Apesar de minoritários na sociedade
e eleitoralmente irrelevantes, são muito perigosos porque controlam os meios de
comunicação de massa e, por isso, geralmente impõem a narrativa dos fatos. Assim
sendo, nenhum enfrentamento militar do tráfico terá efeito sem uma assessoria
de comunicação para rebater em tempo real as mentiras e manipulações e fazer
frente à narrativa fraudulenta dos agitadores da mídia de massa.
De tudo isso, sem dúvida o mais importante e urgente é o
aspecto legal do problema. Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (um
órgão sem poder legislativo, portanto) criou as audiências de custódia
para garantir que presos capturados em flagrante possam ser soltos em
até 24h. Os defensores veem na medida um meio tanto de reduzir a superpopulação
do sistema carcerário brasileiro como de impedir a prisão “desnecessária” de
criminosos de “menor potencial ofensivo”. O primeiro argumento é típico de quem
mora em condomínio fortificado, anda com segurança armado e circula de carro
blindado: pra quê construir mais prisões quando podemos simplesmente soltar os
bandidos? O segundo não resiste à mera exposição dos fatos. Como se não bastasse simplesmente liberar
criminosos pegos em flagrante, a lei de execuções penais ainda estabelece
que os poucos idiotas que conseguem ser presos praticando crimes comuns só
precisam ficar 1/6 da pena atrás das grades. Para crimes hediondos, 40% do
tempo de condenação.
A
raiz ideológica do aparato penal brasileiro, fortemente influenciado pelo
iluminismo francês, é a ideia rousseauniana
do bom selvagem. Sendo o homem naturalmente bom, ele não pode assumir a culpa pelos
próprios crimes. É a sociedade injusta que o corrompe, razão pela qual ele
precisa ser “ressocializado” e não punido. A cadeia deixa de ser um local para
isolar um elemento nocivo à ordem social para se tornar uma assistência técnica
de gente. Não é o bandido que deve mudar, mas a sociedade que o levou a assumir
esse “estilo de vida”.
Qualquer
estratégia diferente de tratar as favelas como países sob ocupação está fadada
ao fracasso. As absurdas regras de engajamento, que praticamente transformam os soldados em alvos, a curta duração da operação e uma legislação penal
excessivamente branda, cujo único objetivo é dificultar o trabalho das forças
de segurança, apenas evidencia o caráter político da intervenção: um modo de
desviar a atenção da opinião pública do fracasso do presidente em passar a
reforma da previdência no congresso. Mandatos de busca coletivos são imprescindíveis
pra restringir a capacidade de fuga dos marginais. O tempo para se conseguir de
um juiz um mandato de busca individual é com o que conta cada traficante para
passar sempre de uma casa a outra. Argumentar que isso viola os direitos dos
moradores é ignorar que uma favela sob o comando de gangues equipadas com
armamento militar é a própria definição de zona de guerra. Se é ruim ter a
própria casa invadida de vez em quando, muito pior é viver sob o arbítrio de
psicopatas fortemente armados.
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