segunda-feira, 21 de setembro de 2015

#StandWithAhmed





Porbandar, Índia, 1891. Imagine o jovem Gandhi saindo sozinho de uma festa na casa de amigos tarde da noite. Ao passar por uma viela suja, escura e erma, ele é acometido por uma lancinante dor no estômago. Alguma comida da festa lhe causou um problema digestivo. São 01h12min. Cambaleando, Gandhi não sabe se vai conseguir voltar pra casa, quando então passa por ele, apressada e sozinha, uma jovem de mais ou menos 17 anos. Desesperado e sem ter a quem mais recorrer, o futuro criador da filosofia do satyagraha puxa o sári da garota na tentativa de chamar sua atenção. Qual a instintiva reação da moça ao ser abordada por trás, tarde da noite, sozinha, num local afastado e quase sem iluminação, num país onde uma mulher é estuprada a cada 21 minutos?
Dilema semelhante tirou o sossego de uma professora do ensino médio em Irving, Texas, ao constatar um artefato insólito na mochila de um aluno de origem sudanesa. Uma semana após o décimo quarto aniversário do 11 de Setembro, Ahmed Mohamed, de 14 anos (!), levou à escola um relógio que ele construiu para apresentar na aula de engenharia. Empolgado, o garoto foi mostrar seu trabalho à professora que, nervosa, aconselhou-o a escondê-lo. Eis que, no meio da aula, o relógio guardado na mochila do garoto começa a alarmar...



O triste mal entendido rendeu ao pobre Mohamed uma visita a um centro de detenção juvenil (com direito a algemas, longas horas de interrogatório, coleta e registro de impressões digitais e uma sessão de fotos ao estilo Al Capone), além de três dias de suspensão no colégio, sem que ele fosse acusado de qualquer crime.
Óbvio que houve nítido excesso na abordagem de Ahmed. Quando do confisco do objeto, qualquer especialista em explosivos poderia atestar seu caráter inofensivo e o garoto seria poupado de muito sofrimento desnecessário. É natural que o episódio gere indignação, já que se trata de um inocente pagando por algo que não cometeu. Seria justo também ele receber algum tipo de compensação. Esclarecidos esses pontos, vamos ao que interessa.
Como sempre ocorre quando alguém que não se encaixa no padrão WASP é punido justa ou injustamente (como é o caso de Mohamed) no Ocidente, uma profusão interminável de justiceiros de rede social com muito tempo livre e trambiqueiros de megafone sem qualquer freio moral, não demora a se manifestar, dispostos a tirar proveito da desgraça alheia. Um bando de vigaristas midiáticos se valendo da necessidade dos chimpanzés narcisistas de iPhone de tentar conferir um mínimo de significado a suas existências patéticas posando de “tolerantes” e politicamente corretos no facebook.
Exibindo o cinismo e o oportunismo habituais, Barack Obama não demorou em reivindicar seu naco de publicidade ao convidar Ahmed Mohamed para visitar a Casa Branca e levar seu invento. À primeira vista parece uma atitude nobre e desinteressada, mas, por que não convidar também alguém que passou 30 anos no corredor da morte injustamente? Se der para tirar proveito político disso, quem sabe? O mesmo poderia ser perguntado ao hipócrita Mark Zuckerberg, que, do alto de sua falsidade politicamente correta, disse que “a ambição de construir algo deveria levar a aplausos, não à prisão”. Isso pode fazer sentido pra quem anda cercado por seguranças todo o tempo, mas, pra pessoas comuns, talvez o medo de ser morto do nada fale mais alto do que a necessidade de fazer social para a beautiful people das corporações de comunicação...
Rotular a professora de Ahmed, os policiais que o detiveram (a despeito da truculência desnecessária) ou, por conseguinte, a maioria da população dos EUA de “islamofóbica” (seja lá o que isso signifique) por desconfiarem de um garoto de aparência árabe, portando um artefato no mínimo inusitado, dentro de um local cheio de crianças, nos EUA, uma semana após um aniversário do 11/09, é tão justo quanto querer colar a pecha de misândrica na mocinha do causo fictício de Gandhi. Num cenário onde só há vítimas, o que mais se aproxima de culpa pela situação desagradável é a displicência da família (se realmente foi inocência) de Mohammed, que não o alertou que seu comportamento poderia ser considerado suspeito numa sociedade profundamente traumatizada, que tem todos os motivos do mundo para desconfiar da própria sombra. Aos oportunistas de plantão fica a pergunta: se antes de levar sua invenção à escola, Ahmed decidisse dar uma passada na Casa Branca? 

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