Em setembro de
2014, durante debate transmitido em cadeia nacional, o então candidato à
presidência da República Levy Fidelix, ao se posicionar contra o reconhecimento
da união civil de pessoas do mesmo sexo pelo estado, se utilizou de argumentos
no mínimo excêntricos para justificar sua opinião. Por declarar pérolas como “dois iguais não fazem filho” ou “aparelho excretor não reproduz” o
candidato provocou a ira de ativistas LGBT, que moveram ação contra ele. A OAB
também se mostrou ofendida com o discurso
de Levy e a Procuradoria Geral da República cobrou explicações do presidente
do PRTB. No último dia 13, em decisão em primeira instância, o Tribunal de
Justiça de São Paulo condenou Fidelix a pagar 1 milhão
de reais a movimentos LGBT pelas supostas ofensas.
Apesar da
indiscutível estupidez no discurso do candidato nanico, é surpreendente a
decisão do tribunal. Nas palavras da juíza responsável pela sentença, Levy
“ultrapassou os limites da liberdade de expressão, incidindo sim em discurso de
ódio, pregando a segregação do grupo LGBT”. E desde quando constatações acerca
da biologia humana são consideradas “discurso de ódio”? Por mais que seja
burrice ficar por aí afirmando que “aparelho
excretor não reproduz”, isso não passa de uma obviedade sobre a anatomia humana.
Ou “aparelho excretor” agora faz parte do sistema reprodutivo humano? Até onde se
sabe, realmente “dois iguais não fazem filho”. De que maneira as besteiras que
Levy falou incitam ódio ou violência contra homossexuais? Quando ele diz que a
população LGBT deve receber assistência no plano psicológico e afetivo com a
condição de que seja “bem longe da gente”, ele prega a segregação dessa parcela
da sociedade ou exerce seu direito de viver na companhia de quem ele
quiser?
É conveniente
tratar a questão do discurso de ódio. Não dá pra entender como asneiras ditas
por um candidato sem preparo, cujo partido só existe graças à aberração do
fundo partidário e cuja irrelevância no cenário político nacional só faz frente
a sua vocação para bobo da corte podem causar tanta repercussão, enquanto
bobagens ditas pelo líder do maior partido brasileiro da atualidade parecem
passar despercebidas. Será que para um homossexual é mais ofensiva a
constatação de que “aparelho excretor não reproduz” ou a insinuação nada sutil
de que a cidade de Pelotas é “exportadora de ‘viado’ (!)”? Apesar
dessa última não passar de uma pilhéria imbecil, indigna sequer da atenção de
uma pessoa equilibrada, certamente ela parece mais ofensiva, porque o teor
cômico da citação decorre do rebaixamento implícito da suposta condição
homossexual dos pelotenses. Só por isso já se evidenciaria pelo menos um sistema
de dois pesos e duas medidas nessa caça às bruxas da qual o presidente do PRTB
é o alvo da vez.
Agora, o que
acontece quando outro membro fundador do maior partido de esquerda do Brasil,
diferentemente do primeiro com sólida formação intelectual, assume
explicitamente seu ódio a um segmento social? Isso seria discurso de ódio?
Qualquer um que, de olhos fechados, ouvisse Marilena Chauí declarar abertamente e sem pudor que odeia
a classe média, (inclusive sob aplausos de Lula (!) e de uma platéia em
êxtase), e substituísse no discurso da filósofa o termo “classe média” por
“judeus” ou “tutsis”, poderia se imaginar na Baden-Baden de 1938 ou na Kigali
de 1994. Se "discursos de ódio" são tão perigosos e devem ser
combatidos e se Levy por isso foi condenado, onde estavam a OAB, as ONG’s de
defesa dos direitos humanos e os movimentos sociais quando Marilena falou isso?
Por que será que a Procuradoria Geral da República não a convocou a dar explicações
sobre suas declarações? Será que a professora não “ultrapassou os limites da
liberdade de expressão, incidindo sim em discurso de ódio, pregando a
segregação do grupo” classe média?
A decisão
ideológica e arbitrária da Justiça de São Paulo, no entanto, é só um prelúdio
do perigo que ronda a criminalização da “homofobia”. Ao entrevistar o deputado Jair
Bolsonaro, o comediante britânico Stephen Fry, famoso ativista gay, usa como
bandeira do seu discurso o caso do estudante Alexandre Ivo,
assassinado com requintes de crueldade em 2010.
Do ponto de vista
jurídico, criminalizar a “homofobia” nada mais é do que dar outro nome a
condutas já consideradas inaceitáveis por qualquer sociedade civilizada. No
caso específico de Alexandre, “crime de homofobia” é só um rótulo ideológico
que estão tentando imputar a um crime previsto no artigo 121 do código
penal: homicídio qualificado. Aceitar julgamento diferenciado de um mesmo
crime segundo critérios dependentes da orientação sexual da vítima é defender uma espécie de segregação. É ignorar completamente o princípio da
isonomia. Crime é crime, e deve ser punido da mesma forma, independentemente de
contra quem foi cometido. A justiça não enxerga cor de pele, classe social ou
preferência sexual, apenas fatos.
A face mais
sombria da criminalização da “homofobia”, no entanto, é sua potencialidade de
funcionar como um coringa legal, usado para converter qualquer conduta em
transgressão. O que caracteriza um crime é seu caráter objetivo. Ninguém, em sã
consciência, duvida que Alexandre Ivo foi covardemente assassinado e que isso é
inaceitável. Criminalizar algo que careça de uma definição concreta é uma
ameaça acintosa à liberdade. Insultar gays por serem gays é “homofobia” ou
injúria/ calúnia/ difamação? Assassinar gays é “homofobia” ou homicídio? Um
servidor público que discrimina gays em repartição pública incorre em “crime de
homofobia” ou conduta inapropriada no local de trabalho? Um dono de bar que
proíbe gays de frequentar seu estabelecimento é “homofóbico” ou apenas exerce
seu direto de posse sobre sua propriedade? Num cenário onde a “homofobia” é
criminalizada, o que diferencia uma piada ou uma opinião de um “crime de
homofobia” não é a imparcialidade de um código de leis claro e objetivo, mas a
arbitrariedade intrínseca à capacidade de equilíbrio e tolerância do
interlocutor. Uma sociedade regida segundo tais princípios só pode dar origem a
uma aberração totalitária, onde a liberdade de expressão é continuamente
ameaçada pelos censores do politicamente correto, sempre atentos e dispostos a
pedir a cabeça de que tem a ousadia de pensar diferente deles. Além do mais,
tendo em mente que menos de 1 em cada 10 assassinatos no
Brasil é solucionado, cai por terra qualquer argumentação que se
baseie na suposição de que todos os gays são assassinados em virtude de sua
orientação sexual.
A questão que
fica é: a quem interessa o enfoque penal ideológico inerente à criminalização
da “homofobia”? Em debate posterior ao festival de horrores de Levy Fidelix, a
candidata do PSOL, Luciana Genro, declarou que o candidato do PRTB deveria ter saído do debate algemado por
conta de suas declarações. Há alguns regimes no mundo onde se corre o risco de
ser preso por ter opinião divergente da postura oficial do governo, por mais
inócua, estúpida e sem noção que ela seja. Uns ela defende, outros ela já visitou, inclusive.
Nenhum comentário:
Postar um comentário