A maior tragédia da condição
humana é o fato de o sexo ser o meio natural de reprodução da espécie. A
realidade de algo tão sério e complexo como gerar uma vida humana ser resultado
de uma atividade divertida, prazerosa (alguns diriam até necessidade
fisiológica) e de acesso universal é a raiz de grande parte dos males que
assolam a humanidade. É precisamente porque todos podem ter filhos que existe
tráfico e exploração sexual de crianças na Ásia e no Leste Europeu, que muitas
delas são drogadas e usadas como escudos nas intermináveis guerras tribais da
África e que se vê tantas delas sendo ao mesmo tempo vítimas e algozes na
espiral caótica de violência que tomou conta dos grandes centros urbanos da
América Latina.
Se cada um que pensasse
em trazer crianças ao mundo tivesse consciência das
implicações morais e filosóficas de uma empreitada dessa magnitude, certamente a
população da Terra seria bem menor. Sem sombra de dúvida, haveria bem menos
pobreza, violência e sofrimento. Só que há muita gente inconsequente na Terra. Gente que passa longe de avaliar se realmente tem
condições materiais, psicológicas e, acima de tudo, morais de assumir o
compromisso de toda uma vida de guiar, alimentar e educar um ser humano num
mundo cada vez mais insalubre, onde a fronteira que separa o errado do certo é
ferida de morte a cada dia.
A estupidez da maioria
que procria como gado, sem se importar com as consequências de trazer uma pessoa
de qualquer jeito ao mundo, entretanto, só encontra paralelo na leviandade assassina de quem, no afã, de se ver livre das consequências das próprias escolhas, chega ao absurdo de relativizar a própria noção de vida humana.
À
exceção de casos extremos, como vítimas de violência sexual e mulheres cuja
vida se encontra ameaçada em razão da gravidez, pensar em aborto num mundo com uma
oferta enlouquecedora de métodos contraceptivos de todas as formas e variedades
não é menos que defender o hedonismo desmesurado de quem, categoricamente, se recusa a ter um mínimo de responsabilidade na vida. Camisinha,
pílulas, injeções, implantes anticoncepcionais, adesivos cutâneos, dispositivos
intra-uterinos, laqueadura, vasectomia, diafragmas, esponjas vaginais, espermicidas,
pílulas do dia seguinte... há inclusive métodos a ser utilizados depois da
relação sexual sem proteção! Mesmo que o
aborto fizesse algum sentido em regiões onde teoricamente as pessoas não teriam
acesso a meios de evitar a gravidez (muito apesar da abrangência universal e da
natureza democrática da camisinha), defender a cureta nas sociedades
infantilizadas pelo estado de bem estar social ocidental, onde a contracepção
já foi alçada à condição de “direito social”, é o cúmulo do absurdo.
Um levantamento realizado em Campinas-SP apontou que uma em cada duas gestantes
adolescentes, apesar de possuírem bom nível de conhecimento sobre métodos
contraceptivos, não utilizaram qualquer deles na primeira relação sexual.
Dentre os motivos que as levaram a assumir essa postura muito
responsável: a) não pensaram nisso na hora, b) não queriam usar, c) achavam
caro (sic!) ou inconveniente e, por fim, não se importavam em ficar grávidas(!). Mesmo que as três primeiras razões sejam
mais do que suficientes para se ter uma noção clara do tipo de mentalidade que
a cultura do “direito a tudo” está criando no Ocidente, é a frivolidade autista de ignorar solenemente as implicações diretas do ato de gerar uma vida humana o
que dá a medida exata do tipo de problema
que a noção do aborto como direito social só amplifica.
Cadelas,
vacas, éguas e macacas, por definição, não se importam em engravidar. Como
as demais fêmeas do reino animal, com a cada vez mais rara exceção da espécie
humana, elas não são capazes de juízos de valor e não reconhecem qualquer
impedimento para procriar quando os hormônios ordenam. Até recentemente, era a
preocupação com as condições sob as quais a cria vem ao mundo e a escolha
consciente de não conceber quando estas são desfavoráveis, o que distinguia a espécie humana das demais e isso, inclusive, era visto como algo a se preservar. A tendência
atual é que as políticas de planejamento familiar, antes
voltadas a impedir que duas células reprodutivas se encontrassem no útero
errado, passam a se focar em transferir responsabilidades de gente sem noção de
limites para gente que ainda nem nasceu.
Dentre os inúmeros
desserviços que o establishment cultural "progressista" presta ao Ocidente, talvez o pior seja sua disposição em
alçar qualquer demanda humana à condição de “direito”. Em se tratando de sexo,
isso é particularmente devastador. À parte qualquer consideração de ordem
moral, enxergá-lo como algo que deve estar ao alcance de todos, independente da
capacidade de cada um de arcar com as consequências dos próprios atos, é, no mínimo, leviano, afinal de contas sexo é coisa para adultos e, infelizmente, maturidade biológica tem implicado cada vez menos em sensatez e prudência.
É exatamente essa a raiz ideológica do comportamento subumano dessa geração que
não se importa em engravidar. A defesa do aborto num contexto como esses, onde um governo
grátis huxleyano garante a qualquer cabeça oca com hormônios em ebulição acesso
livre a todo tipo de método contraceptivo, nada mais é do que um salvo-conduto para
que essas pessoas abandonem o que lhes resta de civilização e passem a agir
como animais.
O ponto é que, apesar do justo sentimento de repulsa que despertam, pelo menos houve razão para muitas delas, seja o medo
animal da fome, que transforma sacrifícios humanos em massa em formalidade
religiosa, seja a realidade pré-industrial, onde a escravidão era o único meio
de produção em larga escala. Se o destino da humanidade realmente é o progresso,
as gerações posteriores vão olhar do futuro para essa época doente, na qual o
valor da vida humana varia em função de seu estágio embrionário, da mesma forma
como hoje se olha para sociedades que abatiam seres humanos como gado para agradecer pelo nascer do sol.
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