“Os jovens hoje não conhecem a disciplina. Eu tento dar o exemplo, mas tá difícil. Pessoalmente, eu culpo a MTV”.
A fala é do ditador liberiano Andre Baptiste, ao atirar num jovem subordinado por flertar com uma funcionária em sua presença durante uma negociação de venda de armas com o protagonista de O Senhor das Armas. O deboche da alegoria de Charles Taylor é um indício de que a associação entre comportamento antissocial juvenil e a influência da MTV já faz parte do senso comum. Mais do que isso, trai um sentimento que é próprio de quem percebe na mídia de massa dos anos 90 a incubadora do ataque cultural de inversão de valores que vem tomando forma desde o estabelecimento da TV como meio de comunicação de massa após a queda do Muro de Berlim.
Com a proposta visionária de
trazer música para a programação televisiva surfando na estética rock’n roll, a MTV moldou boa parte do
ideário cultural dos anos 90. A franquia MTV unplugged, seu produto mais bem sucedido, foi um sucesso
avassalador. Boa parte dos artistas mais famosos exibiu o selo do programa em
pelo um de seus concertos. Foi de fato uma idéia revolucionária pra época, já
que registros ao vivo de bandas de rock em formato acústico nunca foram muito
comuns. O tratamento mais palatável das canções contribuiu, inclusive, para
expandir o alcance das bandas (e de seus valores) para além da audiência usual,
acostumada aos efeitos de guitarra e à bateria pesada, ao tornar o som mais receptivo
para gente pouco afeita à estridência dos instrumentos usuais de rock.
No Brasil especificamente, atrações como
Hermes & Renato, RockGol e afins entraram no gosto dos jovens urbanos de
classe média da década de 1990 e imprimiram uma marca indelével nos costumes e
anseios dessa geração. A onipresença dos “descolados” VJ’s nos programas da
casa, mais que uma função decorativa, tinha, antes de tudo, uma razão
pedagógica: a MTV sempre promoveu com convicção as bandeiras típicas do
progressismo urbano, ostensivamente refratárias aos valores comuns do homem
ocidental, forjados, em maior ou menor grau, por uma noção vaga de ética
cristã.
Escolhidos a dedo, os
apresentadores pareciam saídos de uma linha de montagem: vestimenta debochada,
linguajar informal, aspecto jovial, disposição para tratar com “leveza e
naturalidade” de tabus sociais numa linguagem atrativa para os jovens, longe do
tratamento carrancudo que os velhos caretas geralmente dispensam a esses assuntos.
Nomes como João Gordo, Titi
Muller, Edgar Picolli, PC Siqueira e Penélope Nova serviram, antes de qualquer
coisa, para encarnar os arquétipos do tipo de comportamento que os empresários
e acionistas do canal estavam ávidos por promover e disseminar entre a classe
média urbana. Um olhar superficial sobre cada um deles pode ser algo
esclarecedor acerca das intenções por trás da ação da emissora.
As peripécias do senhor
adolescente Edgard Piccoli, quando de sua última passagem pela Jovem Pan, dão
um indicativo do tipo de aprendizado que ele se gaba de ter adquirido durante
seu tempo na MTV. Incapaz de conviver muito tempo com a mais mínima divergência
sem perder a compostura, sua máscara de tolerância e isenção não resistiu
sequer à presença na bancada de alguém que, apesar da contundência dos
argumentos, é tão moderado e educado que chega a parecer um lorde inglês. Concorde-se
ou não com sua retórica, Caio Coppola é, inegavelmente, e sob qualquer prisma
que se analise, alguém polido e civilizado. O comportamento autoritário e
infantil de Piccoli é o retrato vívido da beautiful
people falante das colunas sociais: uma tolerância artificial que não
resiste sequer a uma senhorinha perguntando: “mas, e a criança?”.
Titi Muller cumpre a cota da
patricinha feminista radical chic. João
Gordo é o rebelde eterno com complexo de Peter Pan. Penélope Nova, cujas
credenciais são se vangloriar de ter feito dois abortos e ser filha de um pré-adolescente
sexagenário, é a “especialista em sexo”, o nome que se dá hoje em dia aos depravados
sem atributos físicos que fazem disso, sabe-se lá como, um meio de vida. E por
falar em gente perturbada, PC Siqueira completa a lista como o paradigma de
homem novo que os executivos da MTV estavam empenhados em marcar a ferro no imaginário
cultural da classe média urbana.
Eterno adolescente ressentido e
claramente desorientado, Siqueira é aquele tipo que, em épocas mais saudáveis,
onde a cultura popular não era usada como laboratório de experimentação social de
rico entediado tirado a engenheiro de alma, conseguiria fama apenas em circos
de horrores. Se antes gente como ele seria promovida no subsolo apenas por seu
caráter exótico e grotesco, hoje é alçada ao patamar de influencer justamente por causa dos valores que difunde. PC é
assumidamente anti-cristão, pró-drogas, pró-aborto, pró-gênero, e pró-qualquer
depravação que se queira implantar bionicamente nas consciências das pessoas
comuns. Um produto bem acabado dos atuais sistemas educacionais de orientação
progressista. Um combo ambulante das pautas grotescas que as elites de Wall
Street e Bruxelas estão empenhadas em normalizar.
Sua vida é o modelo de conduta
que a MTV vende diuturnamente em sua programação. O aspecto doentio de quem
cobre o braço com tatuagem preta, sinal claro de algum tipo de desordem mental
aguda potencializada pelo vício em drogas, se antes era um anátema social, hoje
é motivo de promoção, pelo menos para os executivos da emissora. A consequência
lógica de uma visão de mundo niilista, quando combinada a um estilo de vida
hedonista e inconsequente, é a situação que agora se desenrola: para a surpresa
de ninguém, o tal PC é flagrado em êxtase diante da foto de uma menina de 6
anos nua, recebida da própria mãe dela, e o pior, admitindo atração sexual pela
criança.
Quando se investe propositalmente
na promoção do absurdo, do bizarro, do mórbido e do grotesco com vias a
perverter o senso estético comum e remodelar a sociedade segundo planos
totalizantes de engenharia social, isso é o mínimo que se pode esperar. A estética
nonsense e esculhambada das vinhetas,
propagandas e chamadas dos programas da MTV passa aquela sensação de desespero
niilista (pintado com cores de deboche, claro, para não passar nenhum sinal de seriedade,
esse vício chato de gente careta) típica do tempo em que a redenção pessoal pela
salvação divina já não é mais uma opção. Como Deus está morto e o céu não
existe, o prazer é alçado ao status de religião e, logo, em busca desse fim
único, abusar do uso de drogas, se mutilar num frenesi narcisista por
“identidade e originalidade” e buscar todo tipo de satisfação sexual apelando a
qualquer tipo de perversão doentia se torna justificável.
Ao glorificar e promover o estilo
de vida de PC, não só o empregando, mas, principalmente, endossando o comportamento
doentio e abjeto que o caracteriza desde a época do youtube, a MTV tem sua parcela de culpa no que se abateu sobre ele.
Em sociedades saudáveis, gente como Siqueira não recebe aplausos. Recebe ajuda.
Em prol de impulsionar sua agenda cultural satânica, os executivos da MTV não
viram problema nenhum em dar sua parcela de contribuição para lançá-lo aos
leões. Foi por ver nas fraquezas de PC um ativo na promoção de seus valores que
a MTV deu holofotes a ele e, como as pessoas de seu entorno, ao invés de
fazê-lo encarar suas desgraças para se redimir e se tornar alguém melhor, o
incentivou em tudo de pior.
O mal que a MTV propaga a partir
de sua programação tem raízes mais profundas e mais antigas (remete ao
gnosticismo, uma heresia da época do cristianismo primitivo), mas remonta à
estética rock’n roll, que por sua vez
é um subproduto do maio de 68. O lema sexo,
drogas e rock’n roll, mesmo que os demais VJ’s não sejam patetas em nível PC
Siqueira de seguir à risca, é o ideal de vida que promovem e vendem aos jovens
diuturnamente. O investimento contínuo na promoção da rebeldia adolescente e de
uma vida vazia de propósito, onde o senso estético é constantemente estuprado
através de um tipo sofisticado de lavagem cerebral na qual, enquanto prendem a
atenção da audiência com boa música, despejam nos intervalos da programação
aquela torrente niilista de grosseria visual sem sentido, tal qual um método
Ludovico ao contrário, é estratégia pedagógica para mudança em massa de corações e
mentes.
No romance Laranja Mecânica,
Anthony Burgess descreve como um protagonista fissurado por violência pura e simples
é submetido a um tratamento onde é obrigado a ver cenas do tipo após ter
administrado em seu organismo um coquetel que provoca reações fisiológicas
desagradáveis quando do contato com as imagens. A partir de então, o espetáculo,
que antes causaria prazer a Alex, agora o faz sentir um desconforto crônico e ele
passa a rejeitar a brutalidade física. O método MTV é o inverso do método Ludovico:
é voluntário, prescinde de drogas (porque seres humanos têm tendência natural a
gostar do que não presta) e, ao invés de estimular a rejeição, faz as cobaias criarem
gosto por imundície.
O sucesso da MTV é um sintoma
claro da decadência cultural que vem se abatendo sobre o ocidente desde que, a
partir do maio de 1968 principalmente, a luta de classes migrou da arena
econômica para a cultural. O espaço que "especialistas" do naipe de
Penélope Nova conseguem nos meios de comunicação é só a materialização da
estratégia de Herbert Marcuse de banalizar o sexo a ponto de transformar o homem
comum num bonobo descontrolado. Piccoli personifica o tipo narcisista e hipócrita
que pulula nos meios sociais progressistas e adora ostentar aquela pose
farisaica de tolerância e isenção que não resiste sequer a uma voz dissonante
do seu credo anticristão pós-moderno. Siqueira, no limite, é a consequência
dessas idéias torpes sobre o homem comum. É como se Baptiste tivesse razão...
Nenhum comentário:
Postar um comentário