Imagine
que o Sr. Barriga tenha a brilhante ideia de emprestar dinheiro ao Sr. Madruga
pra investir no Festival da Boa Vizinhança. Na hora de cobrar o empréstimo, o
dono da vila percebe que o simpático devedor dos eternos 14 meses de
aluguel não tem como pagar.
Temendo
o calote, o primeiro empresta mais dinheiro ao segundo, sob as condições de que
ele gaste apenas com o necessário e que vá procurar um emprego. O Sr. Madruga
concorda mas não cumpre o que promete. O tempo passa. O Sr. Barriga volta a
cobrar e percebe que nada mudou, nem a disposição de seu inquilino em pedir
mais dinheiro para tentar se reerguer. O Sr. Barriga começa a perceber que
talvez não seja uma boa ideia continuar dando dinheiro ao punk da vila porque a
única riqueza que ele gera é sua contribuição inestimável à cultura pop, e ele
não consegue capitalizá-la. O Sr. Madruga exige mais dinheiro e decide
perguntar à Chiquinha se ela aceita as condições que o Sr. Barriga impõe para
emprestar mais. O Sr. Barriga não acredita que nada de bom saia dessa consulta
porque dificilmente a filha do Sr Madruga vai aceitar suas condições, uma vez
que ela é quem mais vai sofrer com as medidas propostas. Sr Barriga se vê
diante de um impasse: emprestar mais ao Sr. Madruga (mesmo sabendo que não vai
ver a cor do dinheiro tão cedo) só pra evitar que ele saia da vila sem pagar o
que deve, ou aceitar as imposições do inquilino para mantê-lo lá e impedir que
outros inquilinos em situação parecida (mas que se esforçam para honrar suas
dívidas) também deem calote?
Troque
“Sr. Barriga” por “FMI + UE + BCE”, “Sr. Madruga” por “Grécia”, “Festival da
Boa Vizinhança” por “Olimpíadas de 2004”, “contribuição inestimável à cultura
pop”, por “contribuição inestimável à civilização ocidental”, “Chiquinha” por
“população grega”, “vila” por “zona do euro” e “outros inquilinos em situação
parecida (mas que se esforçam para honrar suas dívidas)” por “Itália, Portugal,
Irlanda e Espanha”, para ter uma noção do que está acontecendo no país de
Sócrates.
Os
desajustes fiscais da Grécia vêm de muito antes das Olimpíadas de 2004 mas é
fato que a realização do evento, juntamente com a crise de 2008, foi o
catalisador do processo irreversível, pelo menos a médio prazo, de
empobrecimento do país mediterrâneo. Em seu livro “O Mito do Governo Grátis”, o
economista Paulo Rabello de Castro credita aos Jogos Olímpicos de 2004, com
custo final de US$ 12,2 bilhões, o título de mais caros da história moderna até
então. A inclusão de Atenas na zona do euro em 2002 criou a ilusão de que um
país que, antes disso, era o segundo país mais pobre da região em termos de
PIB per capita[1], teria condições de honrar as dívidas, contraídas
para realizar o evento. Como resultado disso, a dívida pública grega em 2004
chegou a 98,6% do PIB[1]. Hoje, 1 em 4 gregos está desempregado.
No
fim de 1923, 1 em cada 3 alemães estavam na mesma situação. Crises, como se sabe,
nada mais são do que celeiros de oportunidades para discursos extremistas. Foi
por isso que, nesse mesmo ano, Hitler tentou tomar o poder através de um golpe
numa cervejaria de Munique. Nessa tentativa ele não foi bem sucedido. Seu
encarceramento, entretanto, originou o Mein Kampf, a base filosófica do Teceiro
Reich, que se iniciaria uma década mais tarde.
Na
Grécia, o Syriza, partido radical de extrema esquerda, venceu as eleições de 22
de janeiro apostando num discurso antiausteridade. Seu líder e atual mandatário
da nação mediterrânea, Alexis Tsipras se referiu à vitória de seu partido como
o fim de um processo de “humilhação” que
a Grécia vem sofrendo por parte dos outros países europeus. O
interessante é que “humilhação” também era um termo recorrente na retórica do Partido Nacional Socialista antes de tomar o poder na
Alemanha. Tal como as imposições do Tratado de Versalhes sobre a Alemanha
depois de 1918, as medidas exigidas pelo FMI e pelo Banco Central Europeu
promoveram uma piora generalizada dos indicadores econômicos gregos,
possibilitando assim a ascensão política de grupos extremistas. Os
neonazistas ficaram em terceiro lugar na eleição de janeiro.
Uma
análise equivocada pode levar à conclusão de que são as medidas de austeridade
que estão arruinando a Grécia, quando, na verdade, são elas o que separa o país
da barbárie. Foram esses ajustes que possibilitaram ao país atingir, no fim do
ano passado, o menor nível de déficit orçamental desde 2008, confirmando assim uma tendência de queda, iniciada no período mais agudo da crise, em 2010.
Muito mais do que o desprezo com que os sucessivos governos perdulários da nação do mar Egeu trataram as finanças do país, foi a irresponsabilidade delirante dos banqueiros franceses e alemães em emprestar sem qualquer critério durante a euforia da construção das instalações dos Jogos Olímpicos, que possibilitaram a ascensão do Syriza na Grécia. Mais preocupados em garantir os votos dos 700 mil empregados do setor público através de políticas econômicas populistas, os governos gregos anteriores a 2004 não serão tão responsáveis pela ruína grega quanto o oportunismo rasteiro dos banqueiros europeus em tentar lucrar num país quebrado.
Em 5 de julho, o governo grego vai convocar a população a se manifestar sobre as medidas de austeridade propostas pelo FMI e pelo BCE através de um referendo. No que é tratado pela União Europeia como “traição da Grécia”, o previsível resultado da consulta só vai confirmar sua contribuição ativa na destruição do país mediterrâneo, ao permitir, através da decisão aloprada de financiar as inúteis Olimpíadas de 2004, a ascensão de um lunático comunista que tem no desprezo ao livre mercado o alicerce de suas crenças econômicas. Alexix Tsipras não é o maior culpado pelo que vai acontecer com seu país. A Europa quebrou a Grécia.
Em 5 de julho, o governo grego vai convocar a população a se manifestar sobre as medidas de austeridade propostas pelo FMI e pelo BCE através de um referendo. No que é tratado pela União Europeia como “traição da Grécia”, o previsível resultado da consulta só vai confirmar sua contribuição ativa na destruição do país mediterrâneo, ao permitir, através da decisão aloprada de financiar as inúteis Olimpíadas de 2004, a ascensão de um lunático comunista que tem no desprezo ao livre mercado o alicerce de suas crenças econômicas. Alexix Tsipras não é o maior culpado pelo que vai acontecer com seu país. A Europa quebrou a Grécia.
[1]
O Mito do Governo Grátis - Paulo Rabello de Castro
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