quarta-feira, 1 de junho de 2022

A Raiz Gnóstica da Revolta Contra a Realidade

 

“E Deus criou as baleias (...) e as aves de asas conforme a espécie de cada uma. E Deus viu que era bom.”

1 Gn, 21

A humilhação que as tentativas frustradas de remodelar o mundo impingem à húbris moderna enseja uma revolta contra a própria estrutura da realidade que teima em se impor a despeito das vontades humanas. Tal qual um Xerxes que mandou açoitar as águas do mar quando o mau tempo derrubou sua ponte sobre o atual Estreito de Dardanelos, praguejar contra o mundo apela a um instinto básico que persegue a humanidade desde a queda de Adão.

Eric Voegelin detectou a raiz desse sentimento numa heresia cristã antiga, cuja principal característica é a hostilidade contra a própria Criação. Em oposição diametral à narrativa bíblica, para o Gnosticismo o mundo físico é mau em si mesmo, pois criado por um deus maligno, o demiurgo, com o objetivo de aprisionar o espírito humano. Assim sendo, o caminho da iluminação para os gnósticos passa, necessariamente, pela renúncia total ao mundo material e pela libertação do homem através de um conhecimento restrito aos eleitos (gnose).

Se o mundo é intrinsecamente hostil e se o intuito da própria Criação é conspirar contra a humanidade, nada mais natural que uma atitude de revolta constante contra tudo. É daí que nasce o éthos característico dos movimentos revolucionários no decorrer da história, o que, antes de tudo, levou Lúcifer a se voltar contra o próprio Deus: o pecado original de antagonizar com o Criador e se voltar contra Sua Criação. A insistência do vaso em questionar o Oleiro.

Ao saudá-lo como o primeiro revolucionário bem sucedido da história, Saul Alinsky, o arquiteto da agitação política nos EUA, admitiu que, antes de qualquer suposta preocupação com abstrações como “desigualdade”, “justiça social” ou qualquer eufemismo publicitário que se apregoe, o combustível original a mover o revolucionário é justamente a revolta, cuja origem deita raízes profundas na heresia gnóstica.

Se, no decorrer da história, o vetor direcional desse sentimento eram causas político-sociais objetivas como o combate a regimes opressores ou más condições de vida, é no mundo pós-moderno que esse ânimo perturbado, essa doença da alma, para citar Voegelin novamente, se mostra em sua real dimensão. A partir do momento em que a fome deixa de ser universal e que o respeito aos direitos humanos se torna lugar comum no Ocidente, as reivindicações deixam de ser de ordem material e passam a ser de ordem cultural, ficando exposto que a revolta desses grupos é, e sempre foi, antes de tudo, contra a própria estrutura da realidade.

A conseqüência lógica, então, é a normalização do modus operandi orwelliano de coagir as pessoas a negar os próprios olhos por pressão social e/ou política. É o que acontece, por exemplo, quando se instrumentaliza politicamente a condição mental fragilizada de pessoas que se sentem incomodadas com o próprio corpo a ponto de se sentirem como se fossem do sexo oposto, de modo a constranger, inclusive por meios legais, quem ainda cultiva o inconveniente hábito de preservar a própria sanidade e acreditar nos próprios olhos.

Antes de ser uma questão psiquiátrica, digna de toda solidariedade, cuidado e compreensão, o sentimento de se sentir desconfortável no próprio corpo tem uma componente gnóstica, pois se volta contra a realidade biológica do indivíduo. Como em outros exemplos que se poderia citar, principalmente o politicamente correto em sua pretensão maquiavélica de relativizar o significado das palavras por conveniência política, essa condição tem sido instrumentalizada de modo a funcionar como mecanismo de manipulação da realidade objetiva por grupos políticos sem escrúpulos. A pretexto de acolher pessoas transgênero, impõe-se a obrigação social de negar os próprios olhos. Se institui a revolta contra a realidade objetiva por meio da coerção estatal.

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