“E Deus criou as baleias (...) e as
aves de asas conforme a espécie de cada uma. E Deus viu que era bom.”
1
Gn, 21
A humilhação que as tentativas frustradas de remodelar o mundo impingem à húbris moderna enseja uma revolta contra a própria estrutura da realidade que teima em se impor a despeito das vontades humanas. Tal qual um Xerxes que mandou açoitar as águas do mar quando o mau tempo derrubou sua ponte sobre o atual Estreito de Dardanelos, praguejar contra o mundo apela a um instinto básico que persegue a humanidade desde a queda de Adão.
Eric Voegelin detectou a raiz
desse sentimento numa heresia cristã antiga, cuja principal característica é a hostilidade
contra a própria Criação. Em oposição diametral à narrativa bíblica, para o
Gnosticismo o mundo físico é mau em si mesmo, pois criado por um deus maligno,
o demiurgo, com o objetivo de aprisionar o espírito humano. Assim sendo, o
caminho da iluminação para os gnósticos passa, necessariamente, pela renúncia
total ao mundo material e pela libertação do homem através de um conhecimento
restrito aos eleitos (gnose).
Se o mundo é intrinsecamente hostil
e se o intuito da própria Criação é conspirar contra a humanidade, nada mais
natural que uma atitude de revolta constante contra tudo. É daí que nasce o éthos característico dos movimentos
revolucionários no decorrer da história, o que, antes de tudo, levou Lúcifer a
se voltar contra o próprio Deus: o pecado original de antagonizar com o Criador
e se voltar contra Sua Criação. A insistência do vaso em questionar o Oleiro.
Ao saudá-lo como o primeiro
revolucionário bem sucedido da história, Saul Alinsky, o arquiteto da agitação
política nos EUA, admitiu que, antes de qualquer suposta preocupação com
abstrações como “desigualdade”, “justiça social” ou qualquer eufemismo publicitário
que se apregoe, o combustível original a mover o revolucionário é justamente a
revolta, cuja origem deita raízes profundas na heresia gnóstica.
Se, no decorrer da história, o
vetor direcional desse sentimento eram causas político-sociais objetivas como o
combate a regimes opressores ou más condições de vida, é no mundo pós-moderno que
esse ânimo perturbado, essa doença da alma, para citar Voegelin novamente, se
mostra em sua real dimensão. A partir do momento em que a fome deixa de ser universal
e que o respeito aos direitos humanos se torna lugar comum no Ocidente, as
reivindicações deixam de ser de ordem material e passam a ser de ordem
cultural, ficando exposto que a revolta desses grupos é, e sempre foi, antes de
tudo, contra a própria estrutura da realidade.
A conseqüência lógica, então, é a
normalização do modus operandi
orwelliano de coagir as pessoas a negar os próprios olhos por pressão social
e/ou política. É o que acontece, por exemplo, quando se instrumentaliza
politicamente a condição mental fragilizada de pessoas que se sentem
incomodadas com o próprio corpo a ponto de se sentirem como se fossem do sexo
oposto, de modo a constranger, inclusive por meios legais, quem ainda cultiva o
inconveniente hábito de preservar a própria sanidade e acreditar nos próprios
olhos.
Antes de ser uma
questão psiquiátrica, digna de toda solidariedade, cuidado e compreensão, o
sentimento de se sentir desconfortável no próprio corpo tem uma componente gnóstica,
pois se volta contra a realidade biológica do indivíduo. Como em outros
exemplos que se poderia citar, principalmente o politicamente correto em sua
pretensão maquiavélica de relativizar o significado das palavras por
conveniência política, essa condição tem sido instrumentalizada de modo a
funcionar como mecanismo de manipulação da realidade objetiva por grupos
políticos sem escrúpulos. A pretexto de acolher pessoas transgênero, impõe-se a
obrigação social de negar os próprios olhos. Se institui a revolta contra a
realidade objetiva por meio da coerção estatal.
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