No conto A Roupa Nova do Rei o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen narra a inusitada situação em que um rei, enganado por dois vigaristas se passando por alfaiates, sai às ruas de ceroulas, acreditando-se vestido num manto confeccionado de um tecido mágico, visível apenas às pessoas inteligentes. Ao tomar conhecimento da situação, as pessoas precisam negar a evidência empírica fornecida pelos próprios olhos por mera pressão social, afinal ninguém quer passar por tolo. A redoma de autoilusão se mostraria resistente a quase tudo, menos à inocência da criança que, percebendo a bizarrice da situação, apontou o dedo e, às gargalhadas, falou o que ninguém tinha coragem: O rei está nu!
De uma forma menos poética, um
vídeo do ativista Will Witt para a PragerU mostra a mesma situação, dessa vez
na vida real. Ao abordar estudantes numa universidade americana se apresentando
como uma mulher negra ou asiática, Witt, homem branco, choca a audiência ao
demonstrar a facilidade com que consegue manipular gente cujo horizonte de
consciência se corrompeu ao ponto de negar os próprios olhos. Tal qual bonecos
de ventríloquo mesmerizados por ideologia, cada um dos entrevistados concordava,
alegando que, se ele se sentia como tal, então o era.
A situação nada mais é do que a
materialização de séculos de filosofia intencionalmente concebida para manipular
a realidade objetiva. Como tratado anteriormente, esse foi o objetivo principal
de grande parte do esforço filosófico empreendido no Ocidente desde Guilherme
de Ockham e René Descartes. E o resultado é este mundo em que não se pode mais
nem distinguir um homem de uma mulher.
É sobre isso que se assenta todo
o sistema de inversão de valores diuturnamente propagado pelos meios
progressistas de difusão de cultura, cuja origem remonta ao pecado original
ockhamniano de negação das Formas Universais. E é exatamente a universalização
do tipo de comportamento apresentado pelos universitários no vídeo de Will Witt
o que se espera como resultado da imposição dessa cultura perversa de negação da
realidade factual.
“Eu sou eu e minha circunstância”. Não é
incomum encontrar quem empregue o adágio popular ao tratar de como fatores
alheios influenciam na forma como se interpreta o mundo, geralmente emitindo um
salvo conduto para que cada um dê à realidade o sentido que melhor lhe convém, afinal,
dada a diversidade de experiências de vida, diversas também seriam as formas de
concebê-la.
Usa-se até a parábola indiana Os Cegos e o Elefante, segundo a qual
cada homem acha se tratar de uma criatura diferente por ter contato com apenas
uma parte específica do animal (o que segura a tromba acredita ser uma cobra, o
que segura a perna, acredita ser uma árvore, etc.), para chafurdar de vez no
charco relativista.
Ocorre que, como escreveu Ayn
Rand, é até possível ignorar a realidade, o que não se pode é ignorar as
consequências de ignorar a realidade. Ou, como elaborou Benjamin Wiker: “O
lugar para onde se deve correr para escapar do ceticismo não é a nossa própria
mente, onde a aranha do subjetivismo espera para nos devorar, mas na direção
certeira de uma árvore, para nos lembrarmos de que o mundo real, fora de nossa
mente, sempre foi e continua sendo factualmente sólido, independente de nossa
inclinação por pensar o contrário”.¹
Por mais que pensem se tratar de entes
diferentes, nem todos os cegos do mundo vão mudar a natureza do paquiderme.
Não é que ninguém seja estúpido.
O rei, de fato, está nu.
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