sexta-feira, 3 de junho de 2022

Os Cegos e o Elefante

 


No conto A Roupa Nova do Rei o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen narra a inusitada situação em que um rei, enganado por dois vigaristas se passando por alfaiates, sai às ruas de ceroulas, acreditando-se vestido num manto confeccionado de um tecido mágico, visível apenas às pessoas inteligentes. Ao tomar conhecimento da situação, as pessoas precisam negar a evidência empírica fornecida pelos próprios olhos por mera pressão social, afinal ninguém quer passar por tolo. A redoma de autoilusão se mostraria resistente a quase tudo, menos à inocência da criança que, percebendo a bizarrice da situação, apontou o dedo e, às gargalhadas, falou o que ninguém tinha coragem: O rei está nu!

De uma forma menos poética, um vídeo do ativista Will Witt para a PragerU mostra a mesma situação, dessa vez na vida real. Ao abordar estudantes numa universidade americana se apresentando como uma mulher negra ou asiática, Witt, homem branco, choca a audiência ao demonstrar a facilidade com que consegue manipular gente cujo horizonte de consciência se corrompeu ao ponto de negar os próprios olhos. Tal qual bonecos de ventríloquo mesmerizados por ideologia, cada um dos entrevistados concordava, alegando que, se ele se sentia como tal, então o era.

A situação nada mais é do que a materialização de séculos de filosofia intencionalmente concebida para manipular a realidade objetiva. Como tratado anteriormente, esse foi o objetivo principal de grande parte do esforço filosófico empreendido no Ocidente desde Guilherme de Ockham e René Descartes. E o resultado é este mundo em que não se pode mais nem distinguir um homem de uma mulher.

É sobre isso que se assenta todo o sistema de inversão de valores diuturnamente propagado pelos meios progressistas de difusão de cultura, cuja origem remonta ao pecado original ockhamniano de negação das Formas Universais. E é exatamente a universalização do tipo de comportamento apresentado pelos universitários no vídeo de Will Witt o que se espera como resultado da imposição dessa cultura perversa de negação da realidade factual.

 “Eu sou eu e minha circunstância”. Não é incomum encontrar quem empregue o adágio popular ao tratar de como fatores alheios influenciam na forma como se interpreta o mundo, geralmente emitindo um salvo conduto para que cada um dê à realidade o sentido que melhor lhe convém, afinal, dada a diversidade de experiências de vida, diversas também seriam as formas de concebê-la.

Usa-se até a parábola indiana Os Cegos e o Elefante, segundo a qual cada homem acha se tratar de uma criatura diferente por ter contato com apenas uma parte específica do animal (o que segura a tromba acredita ser uma cobra, o que segura a perna, acredita ser uma árvore, etc.), para chafurdar de vez no charco relativista.

Ocorre que, como escreveu Ayn Rand, é até possível ignorar a realidade, o que não se pode é ignorar as consequências de ignorar a realidade. Ou, como elaborou Benjamin Wiker: “O lugar para onde se deve correr para escapar do ceticismo não é a nossa própria mente, onde a aranha do subjetivismo espera para nos devorar, mas na direção certeira de uma árvore, para nos lembrarmos de que o mundo real, fora de nossa mente, sempre foi e continua sendo factualmente sólido, independente de nossa inclinação por pensar o contrário”.¹

Por mais que pensem se tratar de entes diferentes, nem todos os cegos do mundo vão mudar a natureza do paquiderme.

Não é que ninguém seja estúpido. O rei, de fato, está nu.


1 - Wiker, Benjamin, 10 Livros que Estragaram o Mundo e Outros Cinco que Não Ajudaram em Nada, p. 28


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