terça-feira, 31 de maio de 2022

A Peleja do Progressismo com a Realidade Objetiva: 1984 chegou

 


A modernidade legou ao ocidente uma mudança de perspectiva cujos efeitos se refletem até os dias atuais. Até então, as relações humanas se travavam sub specie aeternitatis, ou seja, do ponto de vista da eternidade. Quando a posição central que o Transcendente ocupava na mente humana deu lugar à era do império do indivíduo, o antigo éthos, cujo norte era a busca pela vida eterna, passou a orbitar em torno da satisfação dos desejos humanos. A partir de então, tudo passou a ser admitido no sentido de atingir esse objetivo, inclusive o empenho de alterar a realidade objetiva.

Fez-se necessário, então, a criação de uma ferramenta filosófica adequada a esse fim específico: como o homem se converte em medida de todas as coisas, sem o menor compromisso com a realidade objetiva, as ideologias florescem, justamente, da necessidade que a modernidade trouxe de remodelar o mundo segundo as vontades humanas. A aplicação, na prática, do dilema de Procusto, o anfitrião da mitologia grega que, a fim de adequar seus hóspedes ao tamanho de sua cama, os amputava ou os esticava. E é exatamente essa licença poética metafísica, por assim dizer, viabilizada pelo próprio conceito de ideologia, a pedra fundamental da visão de mundo progressista.

O estonteante desenvolvimento das ciências naturais deu meios à humanidade de intervir no mundo físico como em nenhuma época anterior da história. A sensação de poder que disso adveio trouxe consigo a pretensão de que absolutamente tudo podia ser manipulado e “melhorado” em prol dos caprichos humanos, inclusive a realidade objetiva e até a própria natureza humana.  Isso deu o tom do modus operandi dos movimentos progressistas a partir do século XIX.

A consequência lógica de se interpretar a história como um movimento inexorável de evolução humana, sincronizado pari passu com a sucessão temporal, é a tentação de agir conscientemente no sentido de acelerar o processo. Daí o impulso humano, demasiado humano, de transformar a sociedade num imenso laboratório onde a própria humanidade se converte em cobaia de sucessivos experimentos sociais levados a cabo no sentido de promover o “progresso”.

E daí a necessidade premente do progressismo de continuamente procurar alterar a estrutura da realidade cada vez que a natureza humana se impõe e as coisas não saem como planejado. Se, como bem mostrou o século XX, a cada tentativa de domar a realidade objetiva em prol de grandiosos projetos de engenharia social acaba-se por trazer mais dor e desespero, nada mais atrativo do que o expediente de apagar o passado e manipular os fatos para ter novas oportunidades de tentar. Nada mais conveniente a quem deseja o privilégio de ousar continuamente sem o ônus de arcar com as consequências disso.

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