segunda-feira, 30 de maio de 2022

A Guerra contra as Palavras

 

Na obra 1984, George Orwell mostra como o sentido das palavras é o próprio substrato da realidade na mente humana. Na narrativa, um governo totalitário investe reiteradamente na manipulação do vocabulário corrente com o intuito de adulterar a percepção da realidade das pessoas. Isso se dá, basicamente de duas maneiras.

A primeira é o estreitamento do horizonte de consciência humano através da redução do conjunto de palavras do idioma. Se o mecanismo cognitivo de interpretação da realidade consiste em associar o que se capta pelos sentidos às palavras correspondentes, a redução da “quantidade disponível” de termos do léxico significa nada menos que a redução das possibilidades de pensamento. Como um personagem descreve no livro: “Você não vê que a verdadeira finalidade da Novafala é estreitar o âmbito do pensamento? No fim teremos tornado o pensamento-crime impossível, já que não haverá palavras para expressá-lo. (...) Como poderemos ter um slogan como ‘liberdade é escravidão’ quando o conceito de liberdade for abolido?”

O outro meio de manipulação da realidade retratado na obra é a alteração do sentido das palavras. Se a mente humana interpreta o mundo exterior a partir da associação de cada ente a seu termo lingüístico correspondente, quando este passa ser líquido, a própria realidade se torna líquida.  É a partir da associação entre o que é captado pelos sentidos e o respectivo significado, expresso em palavras, que a realidade se forma na mente humana. Quando se esvazia o sentido das palavras, a própria realidade objetiva se torna manipulável.

“Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.” O lema do partido tem a função ostensiva de provocar o tipo de confusão mental necessária para adaptar o cérebro humano a tratar como iguais coisas contrárias. E isso só é possível a partir do esvaziamento completo do sentido das palavras. A única forma de alguém aceitar que “guerra é paz”, é se ambas as palavras perderem seu significado, afinal, a acepção de uma é o inverso da outra. Guerra é um estado de conflagração violenta. Paz é ausência de conflito. Quando o sentido de ambas se perde, elas podem ser qualquer coisa, a depender da conveniência do momento.

 E dizer que guerra é paz é o mesmo que dizer que 2+2=5. É dizer que homem é mulher. É dizer que obesidade é saúde. É dizer que o islamismo emancipa as mulheres. É a negação da realidade objetiva a partir do esvaziamento do sentido das palavras.  

1 - Orwell, George, 1984, p. 68-69

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